Sair do Gineceu: um novo olhar sobre a Grécia antiga
Mulheres de véu?
Por Gherchanoc, Florence; Schmitt Pantel, Pauline
Fig.1 : Taça ática, aprox. 460-450 a.C.; Berlim, Staatliche Museen, F 2530. Desenho © Gaëlle Deschodt.
Fig. 2 : Taça antiga, aprox. 490-480 a.C.; Boston, Museum of Fine Arts, Museum purchase with funds donated by contribution 89.272. © BMFA. Foto: DR.
Fig. 3 : Ânfora, aprox. 500-475 a.C.; Roma, Villa Giulia 50432. Foto: DR.
Fig. 4 : Estela funerária ática, aprox. 400 a.C.; Nova York, Metropolitan Museum, 48.11.4. Domínio público. Foto: DR.
Ao contrário da opinião usualmente difundida, as mulheres gregas fazem uso de véu apenas em contextos específicos. É o que atesta o conjunto de imagens de cenas de interior e de exterior que, ainda que não sejam retratos da realidade, remetem às representações mais comuns [Ver abaixo: Galeria 1].
A cena representada na taça ática de figuras vermelhas do pintor de Anfitrite, datada de 460-450 a.C. (fig. 1), constituiu um exemplo elucidativo. Na imagem, apenas uma mulher usa um véu sobre a cabeça, deixando entrever o rosto. Trata-se da jovem no momento do ritual de casamento. Seu futuro marido segura o seu punho; o momento é aquele da procissão que a conduz à sua nova casa. As outras mulheres não usam véus. São talvez as mães das noivas que seguram as tochas destinadas a iluminar o ritual. Aquela que se encontra atrás da noiva usa um sakkos (penteado com uma rede que retém os cabelos) no alto da cabeça, aquela que está na porta da casa não tem nada sobre a cabeça, seus cabelos estão suspensos num coque. A imagética ática da época arcaica, assim como da clássica, oferece diversos exemplos deste cortejo que transfere a esposa com véu da casa dos seus pais até a casa do seu noivo [ver abaixo: Galeria 2].
Além disso, cenas de sedução entre homens mostram um rapaz imberbe envolto em seu himation (manto), a cabeça velada, frente a um parceiro, mais velho e barbudo, que por vezes lhe oferece um presente (um galo, uma lebre, etc.) [fig. 2 e 3].
Por fim, estelas funerárias da época clássica representam a defunta com a cabeça coberta por um pedaço do seu himation, uma convenção iconográfica, sinal de suas qualidades: pudor (aidos) e temperança (sophrosyne) [fig. 4].
Galeria 1
Fig. 5 : Lécito ático de figuras negras, aprox. 550-530 a.C.; Nova York, Metropolitan 31.11.10. Domínio público: Foto. DR.
Este pequeno lécito (vaso de vinho, óleo ou perfume) ático, datado de 550-530 a.C., representa moças em uma cena de interior. Nessa cena de tecelagem, algumas estão fiando lã (à esquerda), outras tecendo sobre um grande tear. Nenhuma delas usa véu. No entanto, na parte superior, pode-se notar a presença de uma personagem feminina sentada, segurando seu véu e uma coroa na mão esquerda, tal como a noiva da figura 11.
Fig. 6: Pinax ática de figuras negras, aprox. 500 a.C.; Paris, Louvre, MNB905 (L4). © Wikicomon, Foto: Jastrow.
Esta cena de prothesis (exposição do defunto), sobre uma pinax (tabuinha) ática, datada de 500 a.C., aproximadamente, mostra mulheres de pele clara, dispostas ao redor do leito sobre a qual um defunto está deitado. Elas puxam e arrancam os cabelos em sinal de luto, enquanto os homens fazem, à esquerda, um gesto de saudação. Essas mulheres – a mãe, a esposa, a avó e a tia, como indicam as inscrições – não estão de véu.
Fig. 7: Partida de guerreiro, século V a.C.; Pintor de Aquiles. Stamnos ático de figuras vermelhas, Londres, British Museum 1843, 1103.1. © The Trustees of the British Museum.
Sobre um stamnos (vaso de beber) ático de figuras negras datado de 450-440 a.C., um homem revestido com a panóplia (armadura) de um hoplita, no centro da imagem, é representado entre uma mulher velada, que segura os instrumentos de libação (uma oinochoe – cântaro – e uma phiale – uma taça de verter) e um homem barbudo apoiado em um bastão. Os dois homens apertam suas mãos direitas (dexiosis). Essa cena representa a partida do cidadão para a guerra, despedindo-se de seu pai e de uma mulher de sua família (mãe, esposa ou até mesmo irmã?).
Fig. 8: Taça ática de figuras vermelhas, aprox. 470 a.C.; Compiègne, Musée Vivenel, 1090. © Musée Vivenel. Foto: DR.
Uma cena de colheita representada em uma taça com figuras vermelhas, datada de aproximadamente 470 a.C., representa duas jovens com ornamentos de cabeça distintos: à esquerda, uma usa um sakkos – rede de coque; em ambos os lados da árvore, duas outras usam uma faixa; à direita, duas outras estão face à face; uma tem um pedaço de seu himation (manta) cobrindo a parte detrás dos cabelos, a outra tem os cabelos presos em um coque.
Fig. 9: Hídria ática de figuras negras, aprox. 525-500 a.C.; Paris, Louvre F302. RMN-Grand Palais (Musée du Louvre). Foto: Hervé Lewandowski.
Em uma hídria (grande vaso de água) antiga, de figuras negras, datada de aproximadamente 525-500 a.C., duas jovens de cabelos soltos, mas retidos por uma faixa, estão agrupadas em volta de uma fonte. Aquela que está no centro carrega uma hídria sobre a cabeça. Sobre a cabeça das outras duas, vê-se um pequeno travesseiro que permite carregar o vaso cheio.
Galeria 2
Fig. 10 : Lécito ático de figuras negras, aprox. 550-530 a.C.; Nova York, Metropolitan 56.11.1. Domínio público. Foto: DR.
Um lécito (vaso de vinho, óleo ou perfume) ático de figuras negras de 550-530 a.C. representa uma nymphagogia (cortejo nupcial). O cortejo segue a carruagem dos noivos em direção ao seu novo oikos, cujas portas são simbolizadas pelas duas colunas emolduradas com decorações geométricas. A noiva, sentada ao lado do seu cônjuge, puxa um pedaço do seu véu para frente, com a mão esquerda que segura igualmente uma coroa.
Fig. 11 : Lutróforo ático de figuras vermelhas, aprox. 450-425 a.C.
Sobre este lutróforo (vaso para transportar a água do banho) ático, de figuras vermelhas, datado de 450-425 a.C., a noiva é identificável pelo véu que cobre os seus cabelos. Dois pequenos Éros (personificações do desejo e do poder erótico) e a nympheutria (jovem que auxilia a noiva) ajustam o véu sobre sua cabeça. © BMFA. Foto: DR.
Fig. 12 : Píxide ática de figuras vermelhas, aprox. 475-450 a.C.; Paris, Louvre L55(b)N3348. RMN-Grand Palais (Musée du Louvre). Foto : Hervé Lewandowski.
Uma píxide (estojo de maquiagem ou de joias) ática de figuras vermelhas, datada de aproximadamente 475-450 a.C., apresenta uma cena comparável àquela da figura 11. A nympheutria, com a cabeça nua, ajusta o véu da noiva, que tem o punho segurado pelo noivo.
Fig. 13: Ânfora ática de figuras negras, aprox. 550 a.C.; Berlim, Pergamonmuseum, F1685. © Staatliche Museen, Berlim.
Fig. 14 : Detalhe do friso do Partenon, bloco V, aprox. 438-432 a.C.; Londres, British Museum, 1816,0610.19. © The Trustees of the British Museum.
O véu
O vocabulário grego propõe termos diversos que são traduzidos, às vezes erroneamente, por véu: peplos, kalyptra, kalymma, kredemnon, pharos. O peplos designa a vestimenta feminina típica, feita do retângulo de um longo tecido dobrado em dois, depois preso aos ombros e apertado na cintura por um cinto. Kalyptra e kalymna derivam do verbo kalypto e designam um pano que envolve e esconde. O kredemnon é um ornamento de cabeça. O pharos refere-se provavelmente a uma peça de tecido de grande amplitude (cobertura nupcial, manta, vela de barco, etc.) Nas imagens, usado sobre a cabeça e ao longo do corpo, um pedaço puxado à frente, o pharos é o sinal do laço conjugal e designa a noiva [fig. 13 e 14]. Todos os termos remetem à ideia de cobrir, de acobertar e de esconder. É por isso que o uso de um véu é frequentemente interpretado como marca de reserva, de pudor (aidos) e de temperança (sophrosyne), qualidades esperadas das esposas e das filhas dos cidadãos, assim como dos jovens envolvidos nos seus mantos [fig. 2 e 3].
Véu e casamento
O véu desempenha um papel notável em diferentes momentos do ritual matrimonial.
Em primeiro lugar, ele constitui uma oferenda pré-nupcial. Antes de se casar, as jovens oferecem, com frequência coletivamente, objetos e vestimentas às divindades protetoras do casamento, notadamente à Ártemis, Atena ou Afrodite, como atestam, particularmente, os epigramas votivos:
“As sandálias que lhe aqueciam os pés, Bitínia as dedicou,/; bela obra de muito habilisosos sapateiros;/ a rede [kekryphalos], que retinha os cabelos entrançados Filénis,/ tingida com flores da espuma do mar;/o leque, Anticleia; o véu com que tapava o rosto [kalypteiran prosôpou],/ obra parecida às teias das aranhas,/ a bela Heracleia; e esta serpente bem enroscada,/ adorno dourado dos tornozelos delicados,/ a que com o pai Aristóteles partilha o nome./ Eis os dons/ destas amigas da mesma idade para a celestial Afrodite”. Antologia grega, VI, 206 (Antípatro de Sídon, século II a.C.; trad. Carlos A. Martins de Jesus, Imprensa da Universidade de Coimbra, Comimbra, 2018 = Gow & Page, Antípatro de Sídon VI.)
Durante o casamento, como mostram as imagens (fig. 1, 10, 11 e 12), o véu é um elemento de ornamento fundamental, que distingue a noiva. Ele constrói a beleza da jovem, assinalada também pela presença de Éros. Ornamento nupcial, o véu acompanha a passagem rumo ao seu novo estatuto de mulher casada e exprime tanto a potência erótica da noiva quanto do laço conjugal. (Homero, Ilíada, XV, 125-128 ; Odisseia, XVIII, 292-293 e 303; Ilíada, XXII, 468-472 ; Ferécides de Siro, Fragmente B 1-2 [Hermann Diels, Walther Krantz, Die Fragmente der Vorsokratiker, 1956, pp. 47-48]; Eurípides, Medeia, 947-958 e 1156-1162).
O ritual de retirada do véu (anakalypteria) constitui um momento chave do casamento. O gesto é acompanhado por uma palavra de saudação e por vezes por um dom. Ele constrói simbolicamente o laço entre os noivos no momento em que a jovem, afastando um pedaço do seu véu, deixa seu rosto à mostra.
Por fim, o véu nupcial pode ser consagrado, ao final do casamento, a uma divindade em sinal de agradecimento. Assim, “Alcíbia dedicou o véu [kalyptren] sagrado dos seus cabelos a Hera, quando celebrou bodas legítimas [kouridion gamon]”. Antologia grega, VI, 133 (atribuído a Arquíloco, data inc.; trad. Carlos A. Martins de Jesus, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018).