Eternas menores?

Por Sebillotte Cuchet, Violaine ; Sronek, Marie-Laure

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Fig. 1. Pyxis de figuras vermelhas, Pintor do casamento, cerca de 470-460 a.C. Atenas, Museu do Louvre. Inv. L 55 (N 3348). Foto: © RMN-Grand Palais (museu do Louvre) foto: Tony Querrec.

É muito frequente considerar as mulheres livres da Grécia antiga como eternas menores, colocadas desde a infância sob a tutela de seus pais e, em seguida, de seus maridos, até mesmo de seus filhos, tios ou sobrinhos. À diferença dos rapazes, as jovens jamais teriam acesso à plena responsabilidade social que caracteriza os adultos. O casamento assinalaria esta dominação que seria exercida no domínio jurídico e sexual. Motivo recorrente em cerâmicas pintadas, a cena da passagem da noiva à casa do esposo, com a cabeça abaixada, é bastante estereotipada. No entanto, com o casamento, a esposa não abandona seu nome (nome pessoal e patronímico), nem rompe os laços com sua família de nascimento (ela transmite bens a suas crianças). Por outro lado, ela confia seu corpo e os recursos transmitidos por sua família de origem a seu marido. Este, a partir de então, se torna seu “tutor” (kyrios), no sentido de assisti-la, acompanhá-la ou representá-la nas instituições das quais as mulheres são excluídas (assembleias políticas, tribunais). Esta “tutela”, porém, não impede que mulheres testemunhem no tribunal. Agarista, esposa de Alcmeônida, denunciou três cidadãos diante do Conselho em 415, e em 399 Andócides a faz comparecer diante do tribunal (1). Às vezes, o kyrios só intervém para autenticar um ato depois que todas as etapas, desde a negociação até a tomada de decisão, foram realizadas sem ele: Nicarete intervém ela mesma em Orcômena, na Beócia, a fim de reaver o empréstimo que tinha dado. Seu marido, apresentado como seu kyrios, intervém apenas no momento do pagamento final que registra o reconhecimento da dívida (2). No fim das contas, a “tutela” das mulheres se exercia sobretudo em contextos que envolviam as instâncias públicas da cidade, nós diríamos sua administração. A presença do kyrios não ocorre para que ele aja em nome de uma mulher; antes, sua presença atesta a validade das informações enunciadas por sua companheira.

Notas:
(1) Andócides, Sobre os mistérios, I, 16.
(2) Léopold Migeotte, “Affairisme féminin à la haute époque hellénistique?” (1999) in Économie et finances publiques des cités grecques, 1, 2010, p. 91-100.

 

Mulheres proprietárias de terra

Uma inscrição encontrada em Tenos, nas Cíclades, datada do começo do século III a.C., torna públicos os contratos de venda de terra realizados entre proprietários da ilha durante mais de um ano. Dos 47 atos listados, 30 concernem mulheres (compradoras ou vendedoras), que são mencionadas em cinco das oito negociações de maior valor. Proprietárias, as mulheres aparecem sempre com um kyrios (tutor) cuja presença, embora obrigatória, em nada altera a transação. Deste modo: “Aglais, filha de Ainetos (?), da cidade, tendo por tutor (ἧς κύριος) Isodemo filho de Isodemo, dos Donakeus, comprou (ἐπρίατο) de Dion filho de Stratios, da cidade, a casa e os terrenos situados em Parnomo e conhecidos como “na Melia”, tendo como vizinhos (οἷς γείτονες) Petale e Bacchion, e as parcelas de terra que delimitam esses terrenos, por 700 dracmas. Fiadores (πρατήρ) da venda: Hegeleos, filho de Teléstrato, dos Triésios. (1)

Nota:
(1) Violaine Sebillotte Cuchet, “Women and the Economic History of the Ancient Greek World: Still a Challenge for Gender Studies”, in The Role of Women in Work and Society in the Ancient Near East, ed. B. Lion and C. Michel, Studies in Ancient Near Eastern Records, Volume 13, Boston-Berlin, De Gruyter, 2016, p. 543-563, para as referências. Disponível em https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-01387030
Notice 1 Fig2  Hydrie de Vicenza dessin J. Bernal.tif

Fig. 2: Desenho de uma hídria de Vicenza, de Jean Bernal em François Lissarrague, “Femmes au figuré”, em Pauline Schmitt Pantel (dir.), Histoire des femmes en Occident. Vol. 1. L'Antiquité, Paris, 1991, p.159-251. © Foto: DR.

Mulheres no trabalho

Segundo as fontes da tradição manuscrita, a primeira forma de trabalho a existir em Atenas se desenvolve no âmbito doméstico e se organiza em torno da gestão dos escravos, do preparo dos alimentos, da educação das crianças e da boa manutenção geral do oikos. Porém, as atenienses, e não apenas metecas e escravas, podem ser levadas, quando o nível econômico das famílias o justifica, a exercer uma atividade profissional remunerada destinada a prover necessidades básicas. Dois casos são encontrados então: ou a mulher produz bens no interior de sua casa (pães, vestimentas, bolos...) e vai à ágora vendê-los no mercado, ou ela exerce uma atividade independente de seu oikos. Nesse caso, os domínios de atuação são bastante vastos: artesanato (sapateira, mas também ourives ou pintora, como mostra a imagem com uma mulher decorando um vaso), mas também “serviços” (ama de leite, lavadeiras, gerente de prostíbulos). É preciso sublinhar a autonomia que tais ofícios conferem. Algumas tinham tanto orgulho que mandavam gravar sua atividade profissional nas dedicatórias dos objetos que consagravam às divindades. Nessas ocasiões, as mulheres transitam no exterior de seus oikoi e entram em contato com outros homens para além de seus maridos, tanto na ágora, onde as vendedoras e os vendedores não ocupam lugares geograficamente separados, quanto em suas próprias lojas.