Corpo feminino
Por Bodiou, Lydie; Castelli, Hélène; Dasen, Véronique
Desde o poema hesiódico relatando a criação de Pandora, a primeira esposa (1), o corpo feminino é frequentemente associado à beleza e à sedução. Apresentada em Hesíodo como cheia de artifícios, a mulher-esposa é descrita como um ser nefasto que usa e abusa do belo, do doce e do bom para seduzir. É verdade que, com frequência, a iconografia grega põe em cena personagens de mulheres cuidando de seus corpos (cenas de toilette, joias, maquiagem, etc.). Contudo, essas atitudes e os objetos vinculados ao cuidado com o corpo e à aparência não são atributos das mulheres. Ao esculpir seus corpos no ginásio, os homens livres se untam com óleo, sem dúvida perfumado, penteiam seus cabelos e vestem igualmente roupas elegantes, assim como fazem uso de ricos ornamentos. O corpo humano é apreendido pelos gregos a partir de uma escala de perfeição que vai do corpo animal ao corpo divino. Se os cuidados e os artifícios permitem uma aproximação do ideal divino na aparência, a natureza perecível e por vezes não controlada do corpo dos mortais faz com que eles se aproximem dos animais. Para Aristóteles e para muitos médicos, o corpo das mulheres é definido por um órgão, o útero, que o distingue do corpo dos homens. Por vezes, esse útero, considerado indomável e selvagem, é pensado como determinante de uma “natureza” feminina. Mas lembremos que em Platão o próprio macho é por vezes governado pelo seu órgão sexual, deixando, também ele, próximo ao animal – ainda que essa ideia tenha tido menor longevidade.
O útero: origem da violência das mulheres?
No século XIX, o doutor Charcot escreveu que a histeria teria sempre existido, em todos os lugares e em todos os tempos (1). No entanto, como todas as doenças (que são sobretudo construções intelectuais), ela se inscreve em um lugar, a Europa, e em uma época, consequentemente muito extensa, já que vai do século V a.C. ao século XX d.C. Foi o médico grego Hipócrates e seus discípulos que construíram esse modelo explicativo, notavelmente perene, sobre os problemas do comportamento feminino. O útero – hystera em grego – designa o aparelho genital feminino nos tratados médicos gregos: um dos seus papéis é regular a umidade que caracteriza a natureza feminina e ameaça o seu equilíbrio humoral. Sua disfunção faz dele “a origem de todas as doenças (2)” nas mulheres. Nas jovens que ainda não menstruaram ou o fizeram de maneira irregular, o corpo pode se saturar de sangue se o útero ainda não consegue evacuá-lo. O órgão então pressiona o coração e o diafragma, causando graves perturbações: delírio, loucura assassina, angústia, desejos suicidas (3). Segundo alguns médicos, a melhor terapia é o casamento.
Na Grécia, é difícil avaliar o alcance da recepção desse modelo. Ele é retomado por Platão (4), o que testemunha, no mínimo, sua difusão nos meios intelectuais. Em outros contextos como a tragédia, a violência e a loucura das mulheres – tal como aquela dos homens – são atribuídas à possessão dionisíaca (mania).
Mais de 200 pedras gravadas do período romano imperial representam uma ventosa que simboliza a força de atração do útero, bem descrita pelos textos médicos. Sobre a gravura, o útero-ventosa é fechado por uma chave que significa o controle dos movimentos de abertura e de fechamento do órgão. Ele é rodeado por um uróboro (uma serpente que morde sua própria cauda) que o protege contra toda força maléfica. As linhas que ondulam no alto da ventosa poderiam representar as trompas uterinas, enquanto aquelas da parte debaixo poderiam representar as ligaduras, anexos descobertos pelo médico Herófilo, em Alexandria, por volta de 300 a.C., o que o autoriza a afirmar que o corpo da mulher é o inverso anatômico do corpo masculino. Ver a série completa de gravuras
O ornamento: o corpo e seus artifícios
O fato de se enfeitar não é nada casual, é uma arte, a arte de colocar em ordem (kosmetike techne) todos os elementos que arranjam o corpo para valorizá-lo e engrandecê-lo. Da simples toilette à sofisticação, há uma gradação que pode se tornar condenável, segundo Plutarco: “O esmero difere enormemente, na minha opinião, da simples limpeza: quando as mulheres se pintam, quando se perfumam e usam ouro e púrpura, são taxadas de muito esmero nos ornamentos; mas ninguém as repreende por tomar banho, por se esfregar com óleo ou lavar os cabelos” (1). Trata-se de um clichê grego apresentar as mulheres como especialistas na arte da dissimulação e do artifício: elas dominam os códigos da sedução e fazem uso deles de acordo com seus próprios interesses. Se observamos as imagens, os ornamentos (roupas, véu, penteados, tatuagens, perfume, joias, fíbulas, sapatos e outras maquiagens) também são usados pelos homens. Para os homens e as mulheres, fazer mal uso dos ornamentos, ou usá-los em excesso, sobretudo quando se é um cidadão, traz descrédito e serve de pretexto para escárnios e injúrias. Para os gregos, os mal usos são igualmente assimilados às práticas bárbaras, geralmente orientais. Na vida cotidiana, o enfeitar-se é feito sob o controle da comunidade: questão de aparência, de riqueza, de ostentação, os ornamentos são marcadores de estatuto, de gênero, de idade, mas também de pertencimento a uma comunidade política, étnica... da qual não convém se distanciar em demasia, quer sejamos mulher ou homem.
Bibliografia : L. Bodiou, F. Gherchanoc, V. Huet, V. Mehl (dir.), Parures et artifices. Le corps exposé dans l’Antiquité grecque, L’Harmattan, 2011.